Revista
do Projeto Pedagógico
II - Trabalhando
com Alunos: Subsídios e Sugestões
10.
O desafio de ensinar a aprender para continuar aprendendo
Uma experiência
com um grupo de EJA mostra algumas das condições fundamentais
para ensinar o aluno a aprender, ajudá-lo a tomar consciência
do que sabe e a continuar aprendendo pela vida afora.
Este artigo tem a intenção de evidenciar a importância
de se pensar na educação de adultos, partindo da premissa
de que o ensino da leitura e da escrita deve contribuir para que eles
possam aprender para continuar aprendendo fora da escola. O exemplo
de um Projeto realizado com alunos da Educação de Jovens
e Adultos (EJA) em Jundiaí (SP), no ensino fundamental e médio
(modalidade semipresencial), no qual uma das autoras realiza a formação
dos professores, contribuirá para tratarmos do tema em questão.
Durante um longo tempo em nosso país, acreditou-se que seria
suficiente ensinar aos alunos as letras, as sílabas, as palavras,
a escrita com letra cursiva e que depois, sozinhos, eles teriam condições
de ler e escrever todos os gêneros textuais e, assim, continuar
aprendendo dentro e fora da escola. Podemos verificar o fracasso dessa
concepção não só na quantidade de não-alfabetizados,
com na de analfabetos funcionais (adultos que dominam o sistema de escrita,
mas que não conseguem utilizar a leitura e a escrita com sua
real função de uso) que o sistema gerou, mas também
naqueles que teoricamente não fracassaram, já que conseguiram
continuar estudando. Muitas vezes, mesmo freqüentando faculdades
ou centros universitários e embora tenham passado no mínimo
11 anos nas escolas de ensino fundamental e médio, esses alunos
apresentam dificuldades básicas em relação à
leitura e à escrita de textos.
Hoje, sabemos que o ensino da leitura e da escrita dos diferentes gêneros
textuais deve ocorrer concomitantemente ao ensino do sistema de escrita,
pois este último materializa-se nos gêneros. Por isso,
torna-se evidente a importância de pensar na educação
de um modo geral, e na de adultos em particular, postulando que o ensino
da leitura e da escrita para aprender a aprender não se reduza
aos manuais escolares e contemple textos que envolvam processos argumentativos,
explicativos e expositivos, os quais têm a função
predominante de informar e que aqui chamaremos de informativos-científicos.
Para a nossa discussão, também incluiremos textos jornalísticos
(notícia, reportagem, artigo de opinião e entrevistas).
É importante ressaltar que não descartaremos a relevância
e outros gêneros textuais, como contos, poemas, provérbios,
receitas, manuais de instrução, etc., para aprendizagem
da leitura e da escrita com autonomia. Contudo, nosso objetivo principal
é abordar a leitura e a escrita para aprender a estudar.
Em geral, os professores do curso em andamento afirmam que os alunos
não sabem ler e compreender os textos mais complexos. Essa constatação
parece ainda mais grave quando se trata de ensino semipresencial, o
qual necessariamente exige que o aluno tenha autonomia para estudar
e buscar informações. A instituição escolar
ainda está pouco preparada para ensinar os alunos procedimentos
que realmente propiciem maior autonomia para a aprendizagem. Daí
a proposta de montarmos o projeto Oficinas de Leitura e Escrita, dirigido
aos alunos da EJA, com o objetivo de que aprendam procedimentos de escrita
e leitura a partir do estudo sobre doenças sexualmente transmissíveis
(DSTs) e AIDS, com a confecção de um painel de textos
produzidos pelos alunos do tipo "Você sabia?".
Ensinando
a aprender, para aprender mais
Os
professores selecionam semanalmente para o jornal mural aquelas notícias
que julgam pertinentes à leitura dos alunos, utilizando os modelos
de organização das editoras nos jornais de grande circulação:
Mundo, Brasil, Jundiaí, Eventos Culturais, Quadrinhos, Horóscopo,
Moda, Saúde, Classificados.
Por meio do jornal mural, divulgamos a realização da oficina
sobre DTSs e AIDS. A partir desse anúncio, os alunos deveriam
fazer sua inscrição. Em turnos diferentes, montamos dois
grupos, misturando alunos dos diferentes segmentos da educação.
O critério de formação dos grupos foi reunir alunos
que tivessem o desejo de ler e escrever melhor os textos informativos.
Em caráter experimental, a oficina contabiliza 24 horas e acontece
uma vez por semana. Nosso principal objetivo é que os alunos
tomem consciência de alguns procedimentos necessários para
aprender a aprender. Assim, definimos alguns princípios norteadores
do desenvolvimento do trabalho.
1. É preciso partir daquilo que os alunos já sabem.
Uma das condições para ensinar os alunos a aprender para
continuarem aprendendo vida afora é ajudá-los a tomar
consciência do que sabem. Para tanto, é necessário
que o professor não só acredite que os alunos têm
conhecimentos e condições necessárias para aprender,
como também explicite isso em suas atitudes. De que modo o professor
pode realizar essa tarefa? Planejando atividades com o que os alunos
trazem, com o que eles precisam saber.
Exemplo
prático: a partir de uma situação problema sobre
DSTs e AIDS, os alunos teriam de escrever o que sabiam sobre o assunto.
Este foi nosso primeiro material de análise sobre a escrita dos
alunos e também a forma pela qual pudemos saber quais eram as
hipóteses de cada uma sobre o tema, que tipo de informações
traziam, se de fato tinham algum fundamento científico para,
com base nessas informações, elaborar a próxima
situação de estudo. É interessante ressaltar que
não existiam grandes diferenças entre o que os alunos
dos diferentes níveis (5ª a 8ª séries e ensino
médio) sabiam sobre o assunto.
2. É preciso que os alunos aprendam o organizar e relacionar
as informações que já possuem com as que estão
adquirindo.
É importante que o professor ajude os alunos a estabelecer relações
entre o que já aprenderam e o que estão aprendendo, criando
em sala de aula um ambiente favorável à troca de idéias.
Isso significa que os professores devem constantemente propor questões
que possibilitem aos alunos refletir sobre o que sabem e o que estão
aprendendo. Outras vezes, é o professor quem explicita as relações
que ele pode estabelecer entre um conhecimento e outro. As perguntas
e as relações verbalizadas ajudam os alunos a perceber
que a construção de conhecimento ocorre por meio de sucessivas
reorganizações, as quais são feitas a partir de
novas relações. O professor pode dizer "Eu nunca
havia pensado que tal fato tem relação com isso"
(evidentemente, se isso de fato for verdadeiro), ou "A informação
que tal aluna trouxe tem relação com determinado assunto
estudado", ou ainda, "Eu assisti um filme sobre como as pessoas
portadoras de hanseníase eram tratadas em determinado momento
histórico e o relacionei com o preconceito que muitas pessoas
têm ainda hoje com portadores do HIV".
Exemplo
prático: após a leitura de uma notícia de jornal
que comentava fatores que interferiam no tratamento da AIDS e o prejudicavam,
uma aluna comentou que era portadora do vírus HIV e que havia
abandonado o tratamento porque acreditava estar curada, já que
estava assintomática e atribuía sua "cura" ao
trabalho realizado em um culto religioso. Por meio da leitura de texto
e do seu depoimento, abordamos outras questões delicadas e igualmente
importantes de serem incluídas no trabalho escolar: o preconceito,
o papel da medicina e da religião, etc. Nessas situações,
os alunos não só encontram uma possibilidade de testar
e validar seus saberes, como também têm a oportunidade
de rever conceitos e pré-conceitos, compreendendo que muitos
conhecimentos e valores que construímos são fruto das
informações que temos sobre determinado assunto.
3. É preciso que os alunos aprendam a formular perguntas sobre
o que querem aprender
Podemos dizer que formular perguntas é uma condição
para se continuar aprendendo fora da escola. Este é um momento
muito importante do trabalho, pois o professor deve ajudar os alunos
a estabelecer uma relação entre atividade anterior e a
atual, isto é, sobre o que sabiam ou pensavam saber, o que querem
saber e o que quer que eles saibam. Por ser uma condição
que se adquire novas informações, a formulação
de perguntas deve ser realizada sistematicamente, e não só
no início do desenvolvimento do estudo. Ter consciência
de que esse é o primeiro passo para a busca de respostas, de
novos conhecimentos, é um conteúdo fundamental que a escola
deve ensinar.
Exemplo
prático: no decorrer da primeira situação de levantamento
e organização das perguntas, uma aluna fez o relato de
suas experiências a partir de uma pergunta sobre a possibilidade
de a AIDS ser transmitida por meio do beijo. Ela contou que seu marido
era portador do vírus HIV, mas ela não. Assim, ao acompanhar
o marido em seu tratamento, ela havia adquirido muitas informações
a partir das dúvidas que levava para os médicos.
4. É preciso que os alunos aprendam como e onde podem encontrar
informações sobre o assunto.
No desenvolvimento de um estudo, é fundamental que o professor
diversifique as fontes de pesquisa e, mais ainda, que organize a atividade
para que as tarefas seja distribuídas entre os alunos. Do contrário,
buscar informações para contribuir com a ampliação
dos conhecimentos dos colegas torna-se completamente sem sentido. Se
todos têm uma mesma questão, um mesmo material de pesquisa,
no que de fato cada um pode contribuir par a ampliação
dos conhecimentos dos outros? Um estudo como esse pode ser uma grande
experiência para a vida, ou melhor, para aprender que o conhecimento
também é construído coletivamente, que é
necessário ter uma relação solidária e comprometida,
que é preciso aprender a se organizar em grupos, a distribuir
tarefas, e que não existe uma única maneira de se encontrar
respostas.
Exemplo
prático: realizamos um levantamento sobre onde poderíamos
obter respostas para tantas questões levantadas (em um dos grupos,
foram 43 perguntas). A primeira resposta dos alunos foi a de que as
informações encontram-se nos livros. Depois é que
foram refletindo que jornais, revistas e folhetos também podem
ser preciosa fonte de pesquisa. Os filmes e as entrevistas não
entraram nesse rol; os professores é que foram os informantes
de tais possibilidades.
5. É preciso que os alunos aprendam a desenvolver procedimentos
que os ajudem a localizar a informação com eficácia.
Um dos fatores que podem ajudar os alunos na busca por informações
mais precisas é a clareza sobre as perguntas que direcionam sua
pesquisa e o que deve ser feito com as informações apuradas.
Um dos procedimentos que temos enfatizado é que grifem no texto
as informações que julgam pertinentes em função
das perguntas que formularam nos diversos momentos do estudo. Depois
disso, realizamos coletivamente uma lista das informações
selecionadas para analisar quais são as mais pertinentes e relevantes
em relação ao que está sendo pesquisado no momento.
Exemplo
prático: os alunos sempre tinham de buscar informações
específicas, com objetivos claros, como responder a uma ou mais
perguntas que o próprio grupo havia elaborado, ou selecionar
uma informação que julgavam ser muito importante para
incluir no texto "Você sabia?", um dos conteúdos
do painel do projeto.
O
que pretendemos aqui é tornar evidente a necessidade de transpormos
a idéia de aprender para aprender do discurso dos educadores
para situações praticas de ensino. Neste artigo, apresentamos
de forma breve algumas das condições fundamentais para
ensinar o aluno a aprender, para ajudá-lo a tomar consciência
do que sabe a continuar aprendendo pela vida afora.
__________
Marta Durante e Miriam Orensztejn
Marta Durante é pedagoga, mestre em Educação, professora
do Centro Universitário FIEO / Osasco e integrante da equipe
de formadores de professores da CENP do Programa Letra e Vida/ PROFA
da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.
Email: martadurante@globo.com