Revista do Projeto Pedagógico

I - Elaborando o Projeto Pedagógico

8. Promoção Automática x Progressão Continuada

Quando se considera a avaliação como um fenômeno à parte no processo ensino-aprendizagem tende-se a reafirmar uma concepção restrita de avaliação, vista somente como uma atividade técnica. Ela é reduzida a seu caráter instrumental, tendo como principal objetivo a classificação quantitativa, baseada no produto da aprendizagem.

Tal concepção reafirma o poder que tem a avaliação no funcionamento estrutural da escola. Pela autoridade que lhe é intrinsecamente conferida, ela se revela como um excelente mecanismo para legitimar certos processos que impedem uma prática igualitária em educação.

Práticas avaliativas tradicionais que constituem um fim em si mesmas tornam-se instrumentos de opressão e punição na medida em que refletem uma medição de forças entre o professor, que é o único detentor dos saberes, e os alunos, em campo oposto, considerado aquele que nada sabe.
Provas e boletins, numa lógica classificatória, demonstram modelos de educação com ênfase na reprodução e confirmam uma ideologia de dominação. Nesse modelo, a avaliação é feita "pelo professor" e "para o professor".

Trata-se de uma avaliação puramente somativa, que "certifica a conclusão de uma etapa, ano ou curso, ou oferece um reconhecimento social baseado no cumprimento de uma série de requisitos estabelecidos pela burocracia institucional". (Lima, 1996)

Para os educandos, esse modelo de avaliação significa apenas uma atividade na qual seus conhecimentos são medidos através de provas bimestrais, semestrais e finais, a cujos resultados está atrelado o futuro deles na escola. E esse tipo de avaliação tem como objetivo precípuo classificá-los e certificar os níveis. Os resultados são do professor e em nada contribuem para melhorar o desempenho dos alunos.

Uma avaliação ligada aos saberes é, simplesmente, uma ferramenta de cobrança dos ensinamentos conteudistas, cumprindo um papel disciplinador: aprovação ou reprovação. Uma avaliação burocrática é um ritual de rotular os alunos e exige dos professores e alunos um trabalho extenuante com conteúdos a serem memorizados/cobrados/devolvidos com as intermináveis "tarjetas" de notas, mensal ou bimestralmente, destinadas a provar mais o que os alunos não sabem do que aquilo que já sabem.

Tal modelo de avaliação consolida uma escola seletiva, classificatória, excludente, punitiva/premiadora, homogeneizadora, que busca um padrão de qualidade elitista, pois os alunos que não apresentam os resultados esperados não podem passar de ano e vão engrossar as séries iniciais, criando-se um funil cada vez mais discriminatório do sistema educacional. Esse é o fenômeno da retenção/reprovação.

Com a promulgação da Lei 9.394/96, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional e de outros documentos legais devidos à própria inquietação de alguns profissionais da educação, a avaliação tornou-se um tema mais polêmico, um momento instigante: não se pode mais reprovar. Passa-se o aluno de um ano para o outro, período ou etapa mesmo que ele não tenha atingido o nível desejado ou imposto pela escola".

Essa idéia da não-retenção associada à promoção automática causou mal-estar em toda a comunidade escolar, como se fosse extinto o instrumento de controle de professores e pais e, conseqüentemente, fossem premiadas a preguiça e a malandragem, desestimulando o aluno e incentivando a infreqüência.

Trata-se, no entanto de uma interpretação equivocada:

Não se pode simplesmente suprimir as séries e suspender a avaliação dos alunos nas passagens entre elas, como às vezes tem sido interpretada a aprovação automática, passando o aluno das mãos de um professor para as de outro, sem assumir a responsabilidade de verificar como ele se encontra em relação aos domínios esperados para aquele período (Ludke, 2001,p.50)

A promoção automática passa a ser então um mecanismo de aprovação dos alunos que permite registrar seus sucessos e fracassos, rotulando-os como mais ou menos competentes, estabelecendo comparações entre os aprendizes e determinando com clareza os bons e os maus alunos.

Nessa concepção, a nota toma um lugar de importância peculiar. É um bom instrumento de controle, uma vez que tem caráter de normatização, hierarquização, usurpação e limitação e, acima de tudo, pode tornar-se conservadora, deixando o aluno com defasagens de aprendizagens, além de classificá-lo em série/etapa/período em que há salas "boas" ou "más".
Para o filosofo e pedagogo Celso dos Santos Vasconcelos "o bom professor não é aquele que reprova muito ou que aprova todo mundo, mas aquele que garante as condições para aprendizagem de todos" (Vasconcelos, 2001).

Para o citado educador "avaliar é necessário, mas reprovar não!". Isso nos leva a considerar que o problema da reprovação não se resolve apenas "não reprovando mais": essa seria uma solução superficial que se atrelaria à promoção automática de todos.
Ora, se a reprovação é núcleo da distorção da avaliação, mudar a avaliação implica eliminar a possibilidade de reprovação e com isto surge a necessidade sistêmica de se aprovar automaticamente.

Será esta prática legal? Justa? Significaria melhoria da qualidade de ensino? Comprovação da aprendizagem do aluno? Sinal de sucesso? Economia para os órgãos de governo.
Essas questões levam-no a refletir sobre a promoção automática e os seus desastrosos efeitos.
Colocada em destaque, a avaliação dos alunos aparece como um dos pontos mais críticos do processo ensino-aprendizagem. Nessa perspectiva, uma questão que tem merecido um olhar especial de todos que se ocupam da educação escolar é o da "progressão continuada".
A questão maior: "avaliar para que?" é a primeira que surge quando se decide introduzir mudanças na concepção de avaliação:

" para medir, testar e julgar o nível de conhecimento dos alunos;
" para disciplinar os alunos;
" para classificar os alunos;
" para determinar se o aluno está apto a prosseguir seus estudos;
" para qualificar os alunos para concursos e vestibulares;
" para informar aos pais.

Várias dessas respostas evidenciam um modelo de organização escolar centrado no processo de avaliação e aprovação/reprovação.

Pondera-se: qual seria a ideologia do professor nesse modelo de avaliação? Quem confere ao professor o poder de, como detentor do saber, decidir sobre a vida escolar dos educandos, considerando-os aptos ou não, a prosseguirem seus estudos? Por que essa forma de estruturação da vida escolar, historicamente tem sido tão resistente a mudanças? O ritual de avaliação não tem relações com censura, penitência, inquisição? A avaliação pode servir para algo mais que medir ou classificar os alunos?

Essas questões, ações e reflexões indicam o nascimento de uma nova lógica escolar: progressão continuada, ciclos, formação humana, competências, processo...

A expressão "progressão continuada" surge a partir de debates acalorados sobre o papel disciplinador que a avaliação e a reprovação dela decorrente sempre tiveram no cenário da escola e da necessidade de se desenvolver uma concepção adequada aos novos objetivos da formação dentro da instituição escolar. A avaliação precisa perder seu caráter classificatório, devendo ser considerada, antes de mais nada, processo. E como tal, pressupõe, um tempo mais longo e depende das ações sistemáticas de toda a comunidade escolar.

A progressão continuada não elimina a avaliação. Ao contrário, ela inscreve-se numa proposta pedagógica que tem como um de seus princípios os respeito pelo desenvolvimento do ser humano,que não corresponde ao tempo cronológico e administrativo usualmente adotado pelas escolas. A progressão continuada propõe que se faça o acompanhamento passo a passo do aluno - avaliação e organização de situações didáticas que assegurem o seu desenvolvimento.

A progressão continuada portanto, é muito mais que a avaliação. Ela expressa uma organização do sistema escolar que resulta de uma determinada concepção de educação, de ensino, de aprendizagem, de currículo, de trabalho pedagógico (Azzi, Procad, 2.000)

Abramowicz (1999) discute a progressão continuada afirmando: "deve-se substituir a pedagogia da repetência, do fracasso, pela pedagogia do sucesso".

Com certeza, pode-se pensar numa prática avaliativa que dinamize e regule um processo de construção do conhecimento e pode-se ter uma ação avaliativa do processo, uma avaliação formativa que intervenha continuamente na conquista do conhecimento, uma avaliação que sustente uma progressão contínua de todos.

A centralidade da ação educativa num sistema de ciclos favorece a formação humana, pois educa-se na perspectiva de desenvolver e ampliar a capacidade dos alunos de modo a permitir-lhes compreender o mundo e lidar com ele de forma mais crítica, construtiva, competente, segura e autônoma.

Na perspectiva de ciclos, pode-se entender o processo de avaliação como uma estratégia para melhor acompanhar o desenvolvimento contínuo e progressivo do aluno.Essa opção descarta a avaliação punitiva , mas não favorece a promoção automática do aluno, independentemente do seu desenvolvimento. A progressão continuada tem um compromisso com a construção de competências e habilidades. (Rabelo, 2000)

Faz-se necessário, no atual contexto, uma proposta de avaliação que tenha como ponto de partida uma continuidade referenciada no ponto de vista do aluno.

Deve-se considerar a avaliação uma estratégia para acompanhar o desenvolvimento progressivo do aluno, e um mecanismo que fornece ao professor os elementos necessários para que reflita sobre sua prática pedagógica. Assim é que alunos e professores estão em processo permanente de formação. Esse processo é global e social.

Por isso, acredita-se que a avaliação deva ser contínua, amorosa, inclusiva, dinâmica, construtiva, o que permitirá constatar o que está sendo construído pelos alunos e o que está em via de construção, de acordo com os objetivos propostos para cada turma, ciclo, série, curso, escola.
Avaliar formativamente é propiciar ao educando novas possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem, e ao professor informações mais precisas, mas qualificativas, sobre os processos de aprendizagens, atitudes e as aquisições dos alunos. A avaliação formativa contribui para informar os erros e os acertos do aluno, o que já sabe e o que já faz bem, o que precisa melhorar e o quanto deve avançar, favorecendo maior e melhor entrosamento entre aluno e professor.
Importantíssimo se faz lembrar que as informações e saberes acumulados de nada adiantam; necessário é o professor desenvolver no aluno, hoje e sempre, continuadamente, as competências necessárias à sua interação com o mundo contemporâneo.

É também de suma importância apostar nas potencialidades do aluno e dirigir a prática pedagógica para uma articulação dinâmica entre o pensar, o fazer e o sentir, atentando para os vários aspectos do desenvolvimento: cognitivo, afetivo e social. Dessa maneira, a prática avaliativa nas escolas não será um problema educacional, e sim, uma solução sistemática e integral, visando à formação do aluno sujeito e cidadão consciente, crítico e criativo, capaz de adaptar-se e promover mudanças para o bem-estar individual e coletivo.

O professor, hoje, avalia como educador, avalia o que o aluno sabe e o encaminha para o que ele não sabe, move-se num novo olhar para o erro.

Resumindo, se o aluno avançou até um nível X, durante um determinado período, e teve dificuldades, não se trata de fazê-lo repetir a etapa em sua totalidade (retenção), ou promovê-lo sem as necessárias competências (promoção automática), mas sim de partir do nível a que ele chegou (progressão continuada). A necessária recuperação das competências e dos saberes ainda não alcançados faz parte desse processo e deve ser garantida em tempos, espaços e trabalhos escolares alternativos.

Portanto, no regime de progressão continuada, a reprovação não deve acontecer. Não porque deva haver um "relaxamento" ou facilitação no processo de avaliação. Ao contrário, a avaliação como parte da proposta pedagógica da escola, estará acontecendo em todos os momentos do trabalho pedagógico, como uma das formas de reconhecimento dos diferentes ritmos e necessidades dos alunos, bem como dos objetivos de cada ciclo, para garantir uma verdadeira progressão continuada.

Bibliografia

Harper et al. Cuidado, escola, São Paulo, Brasiliense, 2.000
Rabelo, Edmar Henrique. Avaliação: novos tempos, novas práticas. Rio de Janeiro: Vozes, 2000.
Vasconcelos, Celso dos Santos. Superação da reprovação: empurrar o aluno com a barriga x garantir a aprendizagem. Cadernos Pedagógicos do Libertador: São Paulo, volume 3,1994

__________
Carmem Flor de Maio Silva Figueiredo
Professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte in Presença Pedagógica n° 51 - Maio / Junho 2003

Decálogo
a ser seguido pelos gestores para a solução dos problemas de infra-estrutura das Escolas Públicas Estaduais


1
Se não houver merendeira na escola,
não será fornecida a merenda;

2
Se não houver pessoa responsável pela Biblioteca, ela permanecerá fechada;

3
Se não houver escriturários e secretário,
de acordo com o módulo, não haverá entrega de documentos na DE;

4
Se não houver verba para compra
de material e manutenção da sala de informática, o local não será utilizado;

5
Se não houver recursos para reparos e vazamentos no prédio escolar,
não haverá consertos;

6

Se não houver recursos para pintura do prédio, o prédio não será pintado;

7

Se não houver verba para a contratação de contador para a escola, não haverá prestação de contas à FDE;

8
Se não houver verba suficiente para a contratação de funcionários pela CLT,
o dinheiro será devolvido;

9
Se a mão-de-obra provisória
não for qualificada, será recusada;

10
Se as festas não tiverem o objetivo de integrar a escola à comunidade, não serão realizadas

A nossa escola é, por previsão constitucional, pública e gratuita. Portanto, ela tem de ser custeada pelos cofres públicos.

Todas as omissões do Estado, com relação aos itens acima, deverão ser objetos de ofícios da direção às Diretorias Regionais de Ensino, a fim de isentarem o diretor de eventuais responsabilidades administrativas.
Toda e qualquer ameaça de punição aos diretores associados da Udemo, por tomarem aquelas atitudes, será objeto de defesa jurídica por parte do Sindicato, seguida de denúncia ao Ministério Público e propositura de Ações Civis Públicas contra o Estado, pelo não cumprimento das suas obrigações para com as unidades escolares e pelos prejuízos causados à comunidade escolar.