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Alfabetização
precoce
[...] ATÉ OS SEIS ANOS, O MAIS IMPORTANTE É BRINCAR LIVREMENTE PARA DESFRUTAR A PRIMEIRA INFÂNCIA, QUE DURA TÃO POUCO O pai de um garoto de dois anos conta que o filho já
sabe o nome de quase todas as cores e também contar até
doze, tudo ensinado por ele e pela mãe. O próximo passo
será ensiná-lo a escrever o nome. A mãe de uma menina
de quatro anos está aflita porque teve de matricular a filha em
uma escola mais em conta neste ano, que não pede lição
de casa nem ensina a ler e a escrever algumas palavras, como a anterior.
Ela acredita que a filha irá regredir nos estudos. Muitos pais de filhos com menos de seis anos andam afoitos
para que estes se iniciem nas letras e nos números, aprendam conteúdos
específicos na escola, tenham acesso a outra língua etc.
Estudos mostram que essas crianças têm alta capacidade de
aprender. Muitas escolas, atentas a esse anseio, passaram a ofertar
estímulos para a alfabetização precoce. Os pais,
em geral, ficam satisfeitos com esse procedimento e orgulhosos das conquistas
dos filhos. Mas essa atitude é boa para as crianças? Nossa reflexão a esse respeito não pode se
basear em estudos sobre vantagens e desvantagens da alfabetização
antes dos seis anos. Tal discussão está posta há
tempos e não permite conclusão, já que especialistas
se dividem em posições opostas e se fundamentam em pesquisas
científicas. Talvez o melhor caminho seja pensar em alguns efeitos
da introdução precoce da leitura e da escrita. O primeiro deles é que um bom número dessas
crianças não aprende as letras e passa a apresentar o que
se convencionou chamar de dificuldade de aprendizagem. Pasmem: muitos
médicos têm recebido pais torturados cujos filhos com três,
quatro ou cinco anos não acompanham os colegas em tal aprendizado. Esse fenômeno ocorre porque nem toda criança
se interessa por aprender a ler e a escrever o nome dos colegas ou simplesmente
não está pronta para enfrentar o processo de alfabetização.
Como a escola, em geral, não tem metodologia para lidar com grupos
de alunos com diferenças de ritmos e de maturidade entre si, acaba
por tratar a média como norma. Assim, crianças que não
se situam nessa média costumam ser suspeitas de apresentar algum
distúrbio de aprendizagem. O segundo efeito da alfabetização precoce
é que ela contribui para o desaparecimento da infância. Que
crianças pequenas já carreguem grande parte do peso do mundo
adulto porque não conseguimos mais protegê-las dele é
fato. Mas colocá-las intencionalmente nesse mundo é bem
diferente. Até os seis anos, o mais importante é brincar
livremente para desfrutar o que pode da primeira infância, que dura
tão pouco. Claro que algumas se interessarão pelas letras
espontaneamente. Que isso seja tratado como brincadeira, então. Acelerar a aprendizagem na esperança de uma melhor
formação para o futuro é ilusão e equívoco
de nossa parte. Cabe aos pais e às escolas a defesa intransigente
do direito que a criança tem de ter infância, já que
tudo o mais conspira para o desaparecimento dessa fase. Nossas escolhas
mostram se realizamos isso ou não. ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
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