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UDEMO | 21/01/20 | Atualizado em 22/01/20 9:31


Mérito

A discussão é tão antiga quanto a própria palavra - mérito - que, neste contexto, tem o sentido de “valor”. Meritocracia, então, é o “sistema de recompensa e/ou promoção fundamentado no mérito pessoal”. O profissional chegou lá pelos seus valores pessoais, profissionais, e não “por atalhos” (apadrinhamento, herança, conluios etc.). Como contratar um profissional com base nos seus méritos? Na iniciativa privada, o currículo e a entrevista são bons recursos; na administração pública, o concurso é o melhor indicador; daí a sua previsão constitucional. O que se visa com o concurso público é exatamente identificar e selecionar os mais adequados para os cargos, mediante critérios objetivos. O concurso para escolha de servidores públicos teria surgido na China Antiga, por volta de 2.300 a.C., onde também evoluiu, sempre com o propósito principal de prover o Estado das pessoas mais capacitadas.

O mantenedor de uma escola privada decide como contratar seus profissionais, e o faz da forma que julgar mais oportuna, conveniente e eficaz. Obviamente, dentro das normas legais. Uma escola pública, por outro lado, tem de seguir a norma administrativa na contratação de seus profissionais. Tanto a escola privada como a escola pública vão querer contratar um profissional com base no mérito. A diferença é que na escola pública o mérito terá de ser comprovado perante a comunidade e a sociedade, o que se faz com um concurso. Na escola privada, o mérito será comprovado apenas perante o mantenedor.

É apenas por conveniência – e não por ignorância – que se pretende confundir as coisas, tentando, na administração pública, usar os mesmos critérios de contratação da iniciativa privada. De todo profissional se espera competência, dedicação, compromisso, atualização, mas não se pode usar a mesma balança para servidores públicos e empregados privados. Os cargos são de naturezas diversas e têm também finalidades distintas. Não se pode confundir um Diretor de Escola pública com um Diretor de Marketing de uma empresa; um Juiz de Direito com um CEO de uma indústria farmacêutica. Quem trabalha na iniciativa privada, e defende a “meritocracia” no serviço público, sempre o faz de uma forma enviesada, inadequada. É o famoso “não funciona, manda embora”. O que ele enxerga é a pessoa, o profissional, e não o contexto. Para ele, o que está em jogo não é uma dimensão social. Então, meritocracia passa a ser um sistema de promoção com base em valores estipulados por uma determinada pessoa ou grupo que detém o poder, e não necessariamente um mecanismo para garantir a eficiência da administração pública. Para os servidores públicos, “meritocracia” passa a ser uma palavra detestada, um conceito perigoso, porque aplicada de forma errada e num contexto impróprio. No limite, torna-se sinônimo de “demissão imotivada”. Os defensores da meritocracia no serviço público – aqueles que vêm da iniciativa privada – odeiam a estabilidade, como se ela fosse a raiz de todos os males. Como demitir um servidor estável, embora ineficiente, descompromissado? Muito simples: basta seguir a lei! O problema é que essas pessoas querem que suas vontades e convicções estejam acima de tudo, inclusive da lei. E, a cada quatro anos, mudam-se as pessoas, as vontades e as convicções! A administração pública não pode ficar ao sabor de vontades e convicções; amparada em evidências científicas, ela tem de ter continuidade. A administração pública não pode ser um “self service” à disposição dos políticos de plantão, ou de seus pretensos administradores científicos. Não é verdade que os servidores públicos temem a meritocracia; eles temem os “meritocratas”, ou seja, as pessoas que vêm a administração pública de fora, de cima, com interesses sempre questionáveis. São os nossos “falsos profetas”. Em São Paulo, é essa a “meritocracia” que se insiste em implantar na rede pública de ensino, sem, antes, criar as condições de trabalho necessárias para que o mérito possa ser avaliado e comprovado: salários, infraestrutura, formação, capacitação, treinamento etc. E, o que é pior, quem vai avaliar o mérito de um subordinado é exatamente a pessoa que está numa posição superior por escolha política e não necessariamente por mérito. Quem ocupa um cargo em comissão, de livre nomeação e exoneração (“cargo de confiança”), sabe que a condição para continuar ocupando esse cargo é, em primeiro lugar, estar bem com quem o nomeou. Um Secretário de Estado, por mais competente e meritório que seja, não mantém o seu cargo se contrariar os interesses do Governador. Então, neste caso, o que prevalece?- o mérito ou a conveniência? Essa é a grande diferença entre a iniciativa privada e o serviço público. Um CEO de uma grande empresa chegou lá por seus méritos, e lá permanecerá, enquanto seus méritos estiverem coincidindo com os interesses da empresa. O mérito é essencial. Já um Secretário de Estado chegou lá porque foi escolhido por um Governador, e lá permanecerá enquanto estiver fazendo a política do Governador que o escolheu. O mérito é importante, mas não é essencial.

Valorizar o mérito dos profissionais é o mínimo que se espera de uma empresa ou da administração pública. O que não se pode é confundir, misturar as coisas: administração pública não é empresa! E vice-versa!

Segundo aponta o Datafolha, “88% apoiam demissão de servidores com mau desempenho”. Deve haver algum erro nessa pesquisa; o correto seria: “100% apoiam demissão de servidores com mau desempenho”. Basta definir, legal e objetivamente, o que é “mau desempenho”, e em que condições ele acontece.

A estabilidade não é o grande problema da administração pública. Ao contrário, ela é aquele mínimo de garantia contra a ingerência político-partidária  na administração da coisa pública. O verdadeiro problema da administração pública é ela ficar nas mãos de políticos que priorizam seus interesses particulares e partidários, em detrimento da ‘res publica’. Fossem esses políticos estadistas, as coisas andariam bem, sem necessidade de tentar demonizar os servidores públicos.

 


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