Leituras

 

 

UDEMO |23/05/17 16:24 | Atualizado em 23/05/17 16:31


Matéria publicada na Folha de São Paulo, 23 de maio de 2017.

Pais erram ao comparar crianças diferentes pelos mesmo padrão

Roseli Sayão

Juliana, mãe de uma garota de quatro anos, está aflita. Foi chamada pela escola e ouviu que sua filha é imatura, porque apresenta comportamentos diferentes dos colegas, e um acompanhamento foi indicado para a menina. Beatriz tem um filho de dois anos que ainda não fala, e os amigos, com filhos em idade semelhante, a deixaram preocupada, porque disseram que o menino deve ter algum problema.

Os pais de uma garota de seis anos também foram chamados pela escola, que disse que o seu ritmo de aquisição de leitura está lento, o que indica a presença de algum problema e a necessidade de acompanhamento psicopedagógico. Todos esses pais conversaram com o pediatra de seus filhos e ouviram que eles têm saúde boa e desenvolvimento normal.

Esses casos, parecidos com outros que ocorrem com frequência, são excelentes para provocar nossa reflexão a respeito do desenvolvimento infantil. Na segunda metade do século passado, o desenvolvimento infantil era, predominantemente, considerado um fator "natural" por profissionais da saúde e da educação, em especial.

Segundo essa visão, a criança apresentava uma determinada sequência de estágios em seu desenvolvimento que era prevista, o que permitia acompanhar seu progresso. Essas tabelas fizeram muito sucesso -ainda fazem-, e colaboraram para estabelecer duas questões problemáticas para as crianças, principalmente na primeira infância: estabeleceram padrões de normalidade e estimularam a comparação entre o desenvolvimento de diferentes crianças.

Novas teorias do desenvolvimento trouxeram visões que superaram a anterior, mas até hoje elas são menos conhecidas nas escolas do que a que construiu as tabelas de desenvolvimento por estágios. O pior é que, com essas tabelas, pouco resta aos professores fazer pelos alunos, porque, constatado o "atraso", tudo o que a escola acredita poder fazer é comunicar o fato à família, para que esta tome medidas de
algum tipo de acompanhamento.

É compreensível esse raciocínio, principalmente em tempos de medicalização da educação, mas não é aceitável, porque seus efeitos são nocivos: o resultado são crianças rotuladas, que passam a ter a autoimagem prejudicada, e famílias angustiadas.

É preciso considerar que as crianças não se desenvolvem de modo homogêneo, como já foi considerado. Precisamos, para avaliar o desenvolvimento de uma criança na primeira infância, conhecer seu ritmo na aprendizagem, o contexto sociocultural em que vive, o papel social que ocupa -tanto na família quanto na escola e na sociedade-, entre outros fatores.

Quando pensamos desse modo, fica fácil entender que não é possível estabelecer normas de desenvolvimento que possam ser aplicadas a todas as crianças, não é verdade? Uma crianças de quatro anos não pode, jamais, ser chamada de imatura. Adultos podem ser imaturos; crianças, não!

O fato de uma criança de dois anos ainda não falar não significa que ela esteja atrasada: pode ser que não precise falar, porque a família compreende as outras linguagens que ela usa para se comunicar. E, finalmente, uma criança de seis anos que ainda não decifra os códigos da leitura e da escrita pode ter um letramento mais rico do que as que já conseguem escrever e reconhecer letras e palavras.

Vamos fazer mais pelas crianças do que rotular seus comportamentos? 


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)

 

 
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