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UDEMO |24/01/17 14:41 | Atualizado em 24/01/17 14:42


Matéria publicada na Folha de São Paulo, 17 de janeiro de 2017.

Se adulto sente-se pressionado ao fazer uma prova, imagine uma criança

Rosely Sayão

Já que as férias da criançada estão chegando ao fim, quero convidar você, caro leitor, a refletir sobre alguns pontos da vida de nossas crianças. Ao final do ano passado, a coordenadora de uma escola conversou comigo a respeito do aumento do número de crianças com problemas emocionais no início do ensino fundamental.

Ela estava acompanhando, na época, duas crianças de nove anos que não conseguiam entrar na escola, mesmo chegando até lá, e que tinham crises que as faziam transpirar, tremer e ter taquicardia se a mãe ou a educadora escolar insistisse para que descessem do carro. Essas crises, que ela chamou de pânico, só aconteciam nos horários de ir para a escola, e ambas as crianças já estavam em tratamento psiquiátrico e psicológico.

Além dessas duas, ambas meninas, ela também falou de três meninos, entre oito e 10 anos, que passaram a fazer pequenas quantidades de xixi ou cocô nas calças. Em conversa com os pais desses meninos, eles contaram que, em casa, o fato também estava acontecendo e já haviam tentado diversas estratégias para resolver a questão, sem êxito algum.

Fiquei cismada, procurei professores e coordenadores e ouvi de todos a mesma coisa: em todas as salas havia pelo menos duas crianças com problemas emocionais. Por que será?

Vamos deixar de lado as questões pessoais e familiares de cada uma dessas crianças e tentar entender esse fenômeno de um modo geral.

As crianças estão sendo submetidas, cada vez mais precocemente, a provas, exames, avaliações de diversos tipos, e isso gera ansiedade, não é? Se um adulto, ao fazer uma prova, defesa de teste, entrevista de emprego ou qualquer coisa semelhante sente-se pressionado, ansioso, imagine, caro leitor, uma criança! Ela está em processo de formação e não tem ainda recursos pessoais para administrar sua ansiedade e, por isso, ela surge com algum sintoma, como nos casos citados.

Essa ansiedade que se manifesta em situações de avaliação é fruto da pressão tanto da escola quanto da família. Desta última principalmente, que quer, cada vez mais, filhos que sejam alunos exitosos e que gostem de estudar, pois acreditam que isso garantirá um futuro pessoal confortável. Não garante!

Nenhuma criança merece passar por provas antes dos dez anos! Algumas escolas já entenderam isso e suprimiram as provas nos primeiros anos da vida escolar. Além disso, nenhuma criança pode ser tratada como o adulto que deverá ser. Criança precisa ter vida de criança, e é justamente isso que pode ajudar no seu futuro.

Um outro ponto que precisa ser considerado, principalmente no caso das crianças com incontinência urinária, é o da cultura da instantaneidade em que elas estão sendo criadas. Tudo é para agora, para já, e os pais fazem o possível para que isso aconteça. Muitas crianças simplesmente não sabem esperar. Por nada. Nem pelo tempo para ir ao banheiro. Isso não é bom para elas.

Para viver é preciso coragem, paciência, perseverança e resiliência, entre outras coisas. Temos focado tanto, tanto no aprendizado dos conteúdos escolares pelos mais novos, que pouco tempo sobra para sua formação pessoal, como no caso das características descritas acima. Isso, sim, poderá afetar a vida deles no futuro! E não será para o seu bem.


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)

 

 
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