Leituras

 

 

UDEMO | 31/05/2016 9:26| Atualizado em 10/06/16 14:46


Matéria publicada na Folha de São Paulo, 31 de Maio de 2016.

A questão de gênero na escola

No início dos anos 60, eu frequentava o ginásio em uma escola pública no interior do Estado de São Paulo, e tinha perto de 11 anos. Encontrei muitas novidades ao passar do primário para o ginásio, o que era instigante, porque assinalava crescimento. Era minha a decisão de entrar ou não nas aulas e de sair do recinto escolar nos intervalos, por exemplo.

Poucas meninas saíam; elas preferiam ficar em rodas, conversando. Já os meninos, esses saíam quase todos para a rua. Havia um pequeno grupo de meninas que saía e ficava junto aos meninos e, por causa dessa atitude, elas eram mal vistas pelas outras. Um dia, durante a aula, um professor, ao abaixar-se em minha carteira para acompanhar o trabalho que eu fazia, acariciou com a mão a minha perna. Fiquei assustada, e logo contei para minha mãe, que, de imediato, marcou uma conversa com o diretor e a orientadora da escola. Quando ela retornou da reunião, me chamou e disse que havia sido um engano meu, para eu esquecer o que havia acontecido. Foi o que eu fiz na época.

Ao terminar o ginásio, escolhi cursar o científico em vez de fazer o curso clássico ou o normal. Por isso, tive de enfrentar muita discordância familiar e escolar. Em uma classe de 50 alunos, menos de dez meninas haviam escolhido esse caminho e nós ouvíamos, muitas vezes, professores afirmarem que algumas disciplinas, como física e matemática, não eram coisa para mulher.

Mais de cinco décadas se passaram desde então, viramos o século, e, caro leitor, a escola básica continua do mesmo jeito, hierarquizando as diferenças entre meninas e meninos, fazendo crer que essas hierarquias são naturais, ignorando as discussões de gênero e negando o que acontece com as meninas dentro do espaço escolar.

Sabemos o resultado desse silêncio escolar: milhares de crianças e adolescentes saem da escola básica sem nenhuma formação cidadã a respeito das diferenças entre os gêneros, sem espírito crítico –aquele que vem do conhecimento– em relação a estereótipos e preconceitos, sem liberdade para pensar na equidade de gêneros, sem preocupação alguma com a violência real e simbólica que sofrem as mulheres. Nas universidades também ocorre esse tipo de violência, e até elas se calam.

Nesta semana, um assunto explodiu na internet: a violência sexual sofrida por uma garota de 16 anos. Li comentários e análises de todos os tipos sobre essa notícia. Alguns muito bons, mas a maioria recheada de preconceitos, muita agressividade e, claro, a responsabilização da vítima pela violência sofrida, no caso, o estupro coletivo.

Muitas famílias, influenciadas por correntes religiosas, têm receio de que a escola assuma seu papel nessa questão. Eu sou da opinião de que o receio que as famílias deveriam ter é justamente o do silêncio escolar. Todas as práticas escolares são políticas –todas elas. Não é à toa que as escolas precisam ter seu projeto político pedagógico! O silêncio escolar em relação às questões de gênero é, pois, também uma atitude política.

Você quer que sua filha ou que seu filho seja um cidadão de bem? Exija que a escola elabore um projeto de abordagem das questões de gênero e que o discuta com a comunidade. Há muito material bom já elaborado para tratar desse tema na escola. Não se omita, leitor! Nossas crianças agradecem. 


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)

 

 
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