Leituras

 

 

UDEMO | 08/01/2016 11:09 | Atualizado em 14/01/16 15:40


Matéria publicada na Folha de São Paulo, 15 de dezembro de 2015.

Em família

ROSELY SAYÃO

Final de ano lembra, inevitavelmente, família. Para o bem e para o mal. E família é uma panelinha -como eu gosto de chamar- que, às vezes, ferve e lambuza tudo o que há por perto; de vez em quando faz comidas deliciosas, mas pode também queimar o que prometia ser bom.

Família é assim: acolhedora, preconceituosa, discriminadora, amorosa, briguenta, ciumenta, amável, doce, generosa, paciente e impaciente, exigente, possessiva e muito mais. Não há famílias que sejam mais ou menos deste ou daquele jeito: em todas as famílias, os afetos, as peculiaridades, as qualidades e os defeitos se alternam. É claro que alguns aparecem mais do que os outros, mas há sempre de quase tudo em todas as famílias.

Cada um de nós tem, internalizada, a família toda, inclusive antepassados que nem conhecemos. É a família, com seu estilo de se relacionar e de amar, que constrói grande parte de nossa maneira de ser e de estar neste mundo, nossa identidade. Pode até ser que gostemos desta ou daquela parte da herança, e que desejemos desesperadamente nos livrar de outras, mas, de qualquer modo, a herança lá está: só podemos transformá-la, quando possível.

Não existe "ex-família". Há famílias rompidas, há famílias quase esquecidas. E digo quase porque, por dentro, ela sempre é lembrada, seja com saudade, seja com mágoa, com gosto ou com desgosto. Há famílias que pouco se relacionam, há famílias que tentam ter apenas relacionamento social quando se encontram. Há famílias que perdoam os equívocos cometidos, há famílias sem perdão. Há famílias que aprenderam a conflitar e a negociar, há famílias que só sabem confrontar e rivalizar. Há famílias que, mesmo sem querer ou perceber, destinam um lugar fixo para muitos de seus integrantes: a avó que mima, o filho agressivo, o rebelde, o inteligente, o hiperativo, o marido ausente, a sogra rabugenta e crítica em demasia, o tio que bebe etc. Mas é bom lembrar que ninguém é sempre do mesmo modo: os rótulos é que fazem com que nos tornemos cegos para qualquer outra faceta que não seja a definida pelo lugar destinado, em família, a esses parentes.

Esses rótulos são mais prejudiciais aos mais novos, porque eles podem "colar" na criança ou no jovem e acabar por se tornar profecia realizada. Por isso, caro leitor, tente evitar pensar em seus filhos, sobrinhos, netos como aquele que é determinado e/ou definido por alguma característica, seja ela qual for.

Neste final de ano, com a previsão de muitas reuniões familiares, talvez seja interessante considerar a possibilidade de colaborar com a manutenção positiva desse vínculo, que é para a vida toda, na realidade ou no imaginário de cada um de nós. Afinal, todos os integrantes da família, vivos ou mortos, ascendentes, descendentes ou colaterais, fazem parte, de alguma maneira, da nossa biografia pessoal.

Para você ter ideia do valor dessas reuniões familiares para as crianças, em especial, saiba que a primeira expectativa das que costumam participar de reuniões familiares de final de ano não são os presentes: é a espera dos momentos compartilhados com toda a família.

Para os adolescentes, reuniões familiares podem ser maçantes, mas bancá-las, mesmo a contragosto deles, pode render bons frutos na maturidade. Encontros de, e em família: os mais novos, principalmente, precisam disso.


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)

 

 
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