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UDEMO | 07/10/15 10:16 | Atualizado em 7/10/15 10:17


Matéria publicada na Folha de São Paulo, 07 de Outubro de 2015.

Admirável mundo das crianças

ROSELY SAYÃO

Nossas crianças estão bem mais espertas do que as que as antecederam. "Já nasceram com um chip a mais", costumam dizer muitos pais.

Antes de completarem um ano, elas já sabem mover telas de tablets, que incrível! Será mesmo tão incrível assim? Qual seria a diferença entre essa atividade e a de mover peças de móbiles coloridos e sonoros que alguns pais colocavam no berço ou em outro local ao alcance do bebê? Nenhuma! Mas, para nós, adultos, o bebê aprender a mexer em tablets tem significado um índice de inteligência diferente –superior, digamos– ao das crianças que nasceram alguns anos atrás.

Nossas crianças já sabem o que querem. Aos três anos, por exemplo, elas se apoderam do controle remoto da televisão de casa –e escolhem a maior delas–, investigam os canais dos quais gostam, que são em geral os que apresentam desenhos animados, e zapeiam por eles. E, se os pais ou as mães pedem –pedem!– que o filho ou a filha vá assistir ao desenho em seu quarto para que eles vejam seus programas prediletos, ele ou ela se nega veementemente. E você sabe, caro leitor, quais comportamentos as crianças usam para tanto, não sabe?

Quando a criança pegou o controle remoto pela primeira vez, conseguiu apertar uma tecla, viu o resultado e aprendeu a repetir e a universalizar, os pais ficaram admirados e orgulhosos. Ficaram impressionados com a precocidade cognitiva e a agilidade motora das mãos e dedos, de tão rápido aprendizado. Por esse motivo, incentivaram e estimularam essa prática.

Um pouco mais tarde, essa agilidade se transfere para o controle usado para jogos. Quem já observou um garoto jogando freneticamente pode ficar maravilhado com a movimentação que ele faz dos dedos, comandados pelo olhar na tela. Eles escolhem os jogos que querem e de que gostam, e tirá-los desse contexto é difícil: tarefa árdua para os pais, quando necessária.

Elas sabem também escolher, a dedo e a olho, a comida que querem e da qual gostam e, principalmente, a que não querem. Não tem sido incomum crianças terem ânsia quando colocadas frente a determinados alimentos.

Nossas crianças conhecem o cardápio de diversos restaurantes, já elegeram os seus preferidos, e é para lá que dirigem a família quando essa decide fazer uma refeição em um deles.

Quando em casa, sabemos muito bem a alimentação que elas escolhem: em geral, um único tipo de alimento e essas porcarias industrializadas gostosas.

Os pais não costumam se dar conta de que foram eles os garotos-propaganda mais sedutores das publicidades para as crianças, apresentando-lhes tais alimentos na mais tenra idade, os quais compram aos montes para deixar na despensa de casa. E, quando o filho se recusa a comer a refeição proposta pelos pais, "não tem jeito" é a expressão mais usada para justificar a troca pelas porcarias que eles exigem comer.

Nossas crianças parecem saber o que é melhor para elas. E para seus pais. Afinal, são elas que têm decidido como viver e muitos rumos para a família toda seguir. Aí, é hora de nos perguntarmos: qual é a nossa função em relação a elas?

Elas estão à deriva, ao sabor de seus caprichos e impulsos –infantis, é bom lembrar–, e nós temos nos orgulhado disso. Deveríamos?


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)

 

 
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