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UDEMO | 26/06/15 10:53| Atualizado em 1/07/15 10:54


Matéria publicada na Folha de São Paulo, 23 de Junho de 2015.

Conflito de gerações

ROSELY SAYÃO

Em uma pesquisa sobre a percepção da sociedade sobre a primeira infância, realizada por iniciativa da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, as respostas a duas questões me chamaram a atenção. A primeira investigou o que a população, de modo geral, considera importante para o desenvolvimento da criança de zero a três anos. Já a segunda buscou saber com a mãe a quem ela recorre para obter as informações que considera necessárias para cuidar bem de seu filho com até três anos e com quem ela esclarece as dúvidas que surgem na lida com a criança.

Em tempos de medicalização da vida, em que usamos a lógica médica para atender e entender questões das mais diversas ordens que as crianças –e não apenas elas– nos apresentam, não é difícil imaginar que, para ambas as perguntas, tanto a população quanto as mães priorizaram a especialidade médica.

Para a primeira pergunta, levar a criança regularmente ao pediatra e dar as vacinas necessárias foi o item considerado mais importante para o desenvolvimento da criança por 51% da população. Quanto à segunda pergunta, 71% das mães recorrem ao pediatra quando têm qualquer tipo de dúvida em relação ao filho, mesmo que ela não tenha relação alguma com o aparato neuroanatomofisiológico.

Sabe, caro leitor, qual a porcentagem de mães que procura parentes e família para esclarecer suas dúvidas e obter as informações que precisa para ser uma mãe melhor? Apenas 4% delas! Por que será? Tenho duas hipóteses.

A primeira é que o conflito de gerações subiu um degrau: se antes estava localizado entre os adolescentes e os adultos, hoje ele foi parar na relação dos adultos com os mais velhos. Pode observar: muitos pais de adolescentes não querem saber de conflitos com os filhos porque se sentem e se comportam de maneira tão jovem quanto eles. Há pais que ajudam os filhos a falsificar documentos para frequentar locais proibidos para menores de 18 anos, frequentam as mesmas baladas que os filhos, dão festas em casa -e participam delas- regadas à bebidas alcoólicas para os filhos e seus colegas, se vestem do mesmo modo e não negam muitos dos pedidos que recebem, para não parecerem caretas.

Minha segunda hipótese é a de que a geração de adultos que hoje tem filhos crianças ou adolescentes recusa, às vezes agressivamente, toda a experiência de seus ascendestes. É como se seus pais nada soubessem a respeito de como cuidar e educar os mais novos, ou se o conhecimento que têm, acumulado durante a vida, para nada mais servisse.

Isso tem consequências bem mais sérias do que os jovens pais imaginam. Primeiramente, porque ao recusar a ajuda de seus pais e sogros, eles ensinam aos próprios filhos a fazer a mesma coisa. Como uma criança ou jovem vai confiar em seus pais, se estes não confiam nos deles? Negar aos avós de seus filhos a possibilidade de interferir nos cuidados e na educação de seus netos é um ato quase que suicida: é mostrar aos filhos que os pais não têm condições de interferir na vida deles.

Já sabemos que o mundo é dos jovens e que juventude não se trata mais de idade e sim de estilo de vida. É por isso que crianças e velhos são os excluídos. Portanto, nada faz mais sentido do que uma iniciativa que acontece na cidade de Seattle, nos EUA: unir creche e asilo de idosos no mesmo local.


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)

 

 
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