Leituras

 

 

UDEMO | 15/05/15 11:01| Atualizado em 19/05/15 15:08


Matéria publicada na Folha de São Paulo, 05 de Maio de 2015.

Lições da educação infantil

ROSELY SAYÃO

De uns 15 anos para cá, passamos a ter boas escolas de educação infantil. Antes disso, já tínhamos algumas, aqui e acolá, que respeitavam a primeira infância, ouviam as crianças, reconheciam sua potência de aprendizagem no ato de brincar e não as separavam por idade ou data de fabricação, como diz Ken Robinson, britânico estudioso da educação e inovação.

Esse número passou a se multiplicar devido a influências teórico-metodológicas e de experiências em escolas pelo mundo. Por isso, hoje, já é possível encontrar uma escola para crianças com menos de seis anos em que o currículo não seja apenas um elenco de conteúdos, em que o ato de brincar seja a principal atividade para a criança, em que não haja uma profusão de brinquedos prontos e em que haja professores com formação contínua e em serviço.

Está certo que, em relação ao número de creches e de escolas de educação infantil que temos no país, essas ainda são minoria, mas já é uma boa notícia saber que elas existem.

Nessas escolas, as crianças aprendem a se concentrar porque a brincadeira exige isso e porque elas participam ativamente da escolha da brincadeira, seja em grupo, seja pessoalmente. Aprendem também a fazer perguntas e a pesquisar para buscar respostas, a exercitar sua criatividade, a colocar a mão na massa em tudo. Atenção: na massa e não, necessariamente, na massinha.

Os alunos aprendem, também, a conviver: os professores aproveitam todas as ocasiões para dar oportunidades de a criança aprender a ver e a considerar o seu par, a esperar a sua vez, a simbolizar em palavras o que sente e pensa, a viver em grupo e a ser solidária.

É uma pena que as escolas de ensino fundamental e médio não tenham humildade para olhar com atenção para as de educação infantil e aprender com elas. Há uma hierarquia escolar espantosa, caro leitor: as escolas de graduação pensam que praticam um ensino "superior"; as de ensino médio se consideram mais especializadas no conhecimento sistematizado do que a escola de ensino fundamental; e todas pensam que a de educação infantil não exige conhecimento científico.

Para você ter uma ideia de como isso se materializa, dou um exemplo: uma professora que trabalhava na educação infantil da rede pública que é comprometida, estudiosa e pesquisadora, ouviu, na avaliação final do ano passado, de sua diretora: "É um desperdício você ficar na educação infantil". Foi transferida para o ensino fundamental.

As escolas de ensino fundamental e médio precisam se inspirar nas de educação infantil e não deixar o aluno ser totalmente passivo em sua aprendizagem: ele precisa, para se motivar, fazer algumas escolhas.

O aluno que participou, de alguma maneira, da escolha do que deve estudar e aprender e do modo de fazer isso não se distrai com tanta facilidade. E é bom lembrar que uma das maiores queixas em relação aos alunos é exatamente a falta de atenção, de foco e de concentração.

Precisam também reconhecer que aprende mais quem pratica o que deve aprender. Como eu já disse: mão na massa! Ninguém merece ficar horas em aulas expositivas ou arremedos de trabalho em grupo.
O que as famílias têm a ver com isso? Tudo! Quando a sociedade questionar verdadeiramente a organização escolar atual, certamente teremos mudanças. Mas, até agora, vemos mais conformismo e adesão do que questionamentos, não é verdade? 


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)

 

 
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