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UDEMO | 23/04/15 11:24| Atualizado em 23/04/15 11:37


Matéria publicada na Folha de São Paulo, 21 de Abril de 2015.

Ajuda no lugar de acusação

ROSELY SAYÃO

Hoje faço um pedido às mães e aos pais que têm filhos pequenos que frequentam escola, e aos professores e outros profissionais que trabalham em educação infantil. Mas, antes, faço um convite. Vamos passear um pouco pelo universo da criança de menos de seis anos para buscar um olhar mais sensível e empático com algumas das atitudes que costumam ocorrer nessa idade.

Até os três anos a criança morde. E ela não morde porque é agressiva, porque não tem limites, porque é mimada ou coisas do gênero. Ela morde por razões diferentes.

O nascimento dos dentes permite que o bebê, pela primeira vez, consiga atuar no meio que o acolhe. Os dentes são o instrumento que permitem que ele seja ativo e participante no mundo. É por isso que as mordidas nos seios das mães que amamentam são frequentes. É uma maneira de o bebê fazer contato com ela!

Busca de contato: essa é uma das maiores razões das mordidas. A criança, que usa a boca para explorar e conhecer o mundo, morde porque gostaria de beijar, morde porque gostaria de ter só para si –engolir é se apossar–, morde para se comunicar.

Mas a criança morde também porque é contrariada, quando quer algo para si e o objeto está com outra criança ou se quer estar próxima de um colega que prefere brincar sozinho ou longe dela. Mas essa reação não significa agressividade. É uma reação igual à que qualquer pessoa tem nas mesmas condições, apenas adaptada às possibilidades de sua idade.

É aos poucos que ela aprende que deve conter essa atitude, ou trocar por outra, mas esse aprendizado não costuma acontecer plenamente antes dos três anos.

A criança um pouco maior empurra colegas, bate neles, briga, corre de um lado para outro e, assim, machuca outras crianças. Mas isso não significa, também, agressividade no mau sentido. Sim: há a boa agressividade, que é a que nos faz resistir e agir no mundo, não é? E é exercitando sua agressividade plenamente que a criança aprende a difícil arte da convivência interpessoal.

Muitas vezes, a criança agride porque não consegue encontrar palavras para expressar o que gostaria, então usa seu corpo para se manifestar. Outras vezes, a criança, como a menor que morde, apenas busca contato de um jeito destrambelhado. E outras, ainda, bate porque foi sutilmente provocada.

Também é aos poucos que a criança aprende –se bem ensinada– que bater, empurrar, maltratar com seu corpo outra criança não é uma boa maneira de se comunicar com ela. O acesso à linguagem permite que expresse em palavras o que sente.

Há crianças que batem mais, que mordem mais? Sim, há crianças com maior energia vital, que se expressam dessa maneira. Mas isso não as torna agressivas.

Volto agora ao meu pedido: se seu filho chegar em casa com marcas de mordida, não precisa se desesperar. Ou se seu filho morde outra criança, não precisa se envergonhar. Se seu filho bate ou apanha, resista à tentação de se meter. Em geral, eles se resolvem.

Aos professores, peço que, ao avisar os pais que o filho foi mordido ou apanhou, não digam quem foi o autor do ato. Isso não ajuda em nada.

Não culpe a criança que morde ou bate. Não reclame dela para a escola, para os pais dela ou para os outros pais.

Compreenda o comportamento da criança em vez de acusá-la. Precisamos parar de julgar as crianças pequenas. Elas precisam de nossa ajuda, não de nossa acusação. 


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)

 

 
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