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UDEMO | 11/03/15 11:48| Atualizado em 11/03/15 12:15


Matéria publicada na Folha de São Paulo, 11 de Março de 2015.

O valor da intimidade

ROSELY SAYÃO

Qualquer imagem pode ser ridicularizada e replicada com um texto que muda totalmente seu significado

Na semana passada, um vídeo postado na internet alcançou um número de visualizações enorme e foi parar nos noticiários.

Para quem não viu, ele mostra a mãe de um adolescente —ela produziu o vídeo— dando chineladas no rapaz e o humilhando por ele ter filmado momentos íntimos com uma ex-namorada e passado a gravação para os amigos, que, claro, trataram de colocá-la na rede.

O vídeo foi enviado pela mãe do garoto à jovem que teve sua intimidade vazada na rede, com a intenção de mostrar a ela que, como mãe, não concordava com o que o filho havia feito e que o punira por isso.

E o que a garota fez? Colocou o vídeo na internet, é claro! Saldo de toda a situação: três pessoas com a vida pessoal conturbada, criticada, e com a reputação enxovalhada sabe-se lá por quanto tempo.

Desse episódio, escolhi dois pontos para deixar aos pais como reflexão. O primeiro deles é a questão da exposição pública dos filhos na rede. Já falamos a respeito de exposição e muita gente usou essa palavra para evitar que o filho recebesse alguma lição educativa importante para sua formação.

Dou exemplos: conheço mães que percebem que o filho pequeno costuma trazer da escola objetos que não são seus, mas não fazem com que o filho devolva os objetos para evitar sua "exposição". Também tenho conhecimento de vários pais que reclamam na escola de alguma sanção merecida recebida pelo filho, porque isso faz com que ele fique "exposto" perante os colegas. Ora, exposição do filho é colocar fotos e vídeos dele nas redes, por exemplo. Primeiramente, porque esse ato ensina —mesmo sem a intenção de fazê-lo— que isso é absolutamente seguro e normal.

Em uma sociedade que exalta a fama, mesmo sem motivo algum, pais e filhos adoram contabilizar visualizações de suas fotos e vídeos. O perigo reside no fato de que qualquer foto (ou vídeo) poderá ser ridicularizada(o) por várias pessoas e ser replicada(o) com um texto que muda totalmente o seu significado.

É preciso ensinar aos filhos o valor da intimidade. Só assim eles terão a chance de chegar à vida adulta com discernimento para saber o que tornar público e o que manter privado. Já afirmei aqui e insisto: saber ter segredos é saudável e um indicativo de maturidade!

O segundo ponto que escolhi abordar é o castigo agressivo —físico ou verbal— que muitos pais aplicam aos filhos, na crença de que isso é educativo. Não! Quando um filho mente, furta ou faz algo como o garoto do exemplo citado inicialmente fez, o castigo que provoca sofrimento se transforma no centro da questão e o desvia, portanto, do ensinamento principal. Há atos que cometemos que afetam e prejudicam o outro. É isso que crianças e jovens precisam aprender: que não devem afetar negativamente a vida, as emoções, a moral de uma outra pessoa, seja ela quem for, tenha ela feito o que for. Quando uma criança ou jovem recebe um castigo agressivo por ter cometido um ato que afetou o outro, o que ele pode aprender é o custo pessoal que isso lhe causa, mas não aprende a ter respeito, empatia e sensibilidade em relação aos outros.

A falta desses itens colabora bastante para que nossa sociedade seja do jeito que está: intolerante, agressiva e que trata com desprezo, rancor e desdém quem se mostra diferente do que consideramos o certo, o melhor, o necessário. Já sentimos na pele que viver assim não é bom.

Então, que tal promovermos uma mudança?


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)

 

 
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