Leituras

 

 

UDEMO | 27/01/15 11:04 | Atualizado em 29/01/15 11:08


Matéria publicada na Folha de São Paulo, 27 de Janeiro de 2015.

Aparências

ROSELY SAYÃO

Conversei com crianças e jovens a respeito do reinício das aulas com a intenção de escrever sobre suas dores e as delícias como estudantes. O que ouvi me fez mudar de ideia, e você vai entender, caro leitor.

A Larissa anda bem chateada e preocupada com seu retorno à escola. Ela tem oito anos e um problema: o cabelo dela é crespo, muito crespo –"horroroso!", diz ela–, e a mãe não a deixa fazer "chapinha" para ficar com os cabelos lisos como a maioria das colegas.

Com o começo das aulas, ela tem certeza de que vai ser alvo de piadas e ganhar apelidos por causa do cabelo. Ela contou que isso já aconteceu antes, mas que ela não ligou muito para isso, não. Agora ela vai ligar, e nem sabe bem os motivos.

Já a Helena, que tem 13 anos, foi passar um período das férias com a família em um resort na praia e diz que exagerou na comida. Resultado: engordou "só na barriga", como ressalta. Ao me dizer isso, ela puxou a camiseta larga que vestia para me mostrar a barriga. Sim, a Helena ganhou um pouco de peso, reconheço, mas a tal barriga eu não vi.

Eu disse isso à ela, que me respondeu: "Não adianta querer me agradar, eu tenho espelho e balança". Sim. Aos 13 anos, a Helena se pesa todo santo dia porque não quer ficar gorda. Só para esclarecer: o biótipo dela é o longilíneo. Sem que a mãe soubesse, fez dois dias de jejum. Eu a alertei sobre os riscos de uma atitude dessa, mas ela não me ouviu. "Na internet eu li que isso faz bem à saúde", me respondeu. Mas uma coisa ela garante: não vai para a escola enquanto não perder a barriga que ela vê em seu corpo.

A Alice está obesa. Mesmo. Ela irá fazer 12 anos em março e está fazendo tratamento para controlar os efeitos em seu organismo de seu grande aumento de peso, que não aconteceu de uma hora para outra: faz anos que ela engorda continuamente. A dificuldade com a volta às aulas não é da Alice, mas de sua mãe. Ela, que permitia que a garota tomasse três refrigerantes por dia e também comesse salgadinhos industrializados, agora se culpa. Mas não pelos problemas de saúde da filha, e sim pela aparência: "Nenhuma garota dessa idade quer ser amiga de uma gorda", sentenciou.

Falei também com meninos, dos 8 aos 14 anos, e deles não ouvi nenhuma preocupação com a aparência, mas com o fato de terem ou não determinadas habilidades –como jogar bem futebol, por exemplo– e roupas, calçados, jogos etc.

Em resumo: a vida das meninas e jovens está difícil porque elas acreditam que precisam ter uma determinada aparência para que sejam aceitas e admiradas. E isso provoca medos, inseguranças, neuras.

Se você tem filhas, caro leitor, procure protegê-las disso. O corpo ideal, segundo os padrões atuais, não se aplica a nenhuma mulher, mas as meninas não sabem disso.

Incentivar a boa alimentação é permitir que elas refinem o paladar, aprendam a gostar de muitos tipos de alimento e saibam, principalmente, conviver bem em torno da mesa. Aliás, a boa alimentação não deve ser vista como remédio, tampouco como maneira de atingir ou manter determinado peso: é uma estratégia para atingir o melhor do corpo e relacionar-se com os outros.

E se você ler, caro leitor, algum artigo condenando estrias, celulites e gordurinhas a mais de alguém, chame sua filha, leia com ela e reflitam juntos sobre os preconceitos em escritos desse tipo.


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)

 

 
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