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UDEMO | 17/12/14 8:24 | Atualizado em 17/12/14 8:24


Matéria publicada na Folha de São Paulo, 18 de Dezembro de 2014.

Conflitos de Natal

ROSELY SAYÃO

Conversei com algumas crianças e adolescentes a respeito das comemorações familiares que acontecem no Natal. O que ouvi, caro leitor, foi bem interessante e pode nos ajudar a entender melhor os mais novos e a mudar o que for preciso para que eles vivam melhor.

As crianças –claro!– se mostraram muito entusiasmadas com os presentes que receberão. O que notei, e que considero bom ressaltar, é que as mais alegremente ansiosas na espera dos presentes são justamente as que não fazem a menor ideia do que irão ganhar.

Muitos pais adotaram o costume de pedir aos filhos que eles façam uma "lista de desejos" nesta época. Facilidades à parte, creio que a intenção deles é oferecer satisfação garantida na data, é ou não é?

Os pais não querem ver nos filhos carinhas tristes, emburradas, frustradas ou até mesmo revoltadas por terem recebido presentes que não eram o que esperavam.

Uma pena, porque a surpresa ajuda a amadurecer: as boas trazem alegria inesperada, gostosa de experimentar, e as desagradáveis estimulam a construção das defesas necessárias para seguir em frente. Ensinam a viver a vida como ela é.

Além dos presentes, quase todas as crianças lembraram-se, como uma coisa boa, da presença de parentes que elas não veem com frequência: avós, bisavó, tias que moram distante etc. Alguns reclamaram de ceder o quarto para as visitas, mas a expressão facial deles não era de desgosto, não!
Os adolescentes –ah, como eles são previsíveis!– afirmaram não curtir o Natal. Mas a frase de um deles talvez possa representar a de muitos: "Na hora é tudo muito chato, mas, depois que passa, fica uma lembrança legal". Arrisco a dizer que é a lembrança de pertencer a um grupo afetivo que, quer ele esteja de bom humor, quer não, faz questão de sua presença.

Mas o que mais me sensibilizou nessas conversas foram as falas de duas crianças e de duas adolescentes. O que elas têm em comum é o fato de seus pais serem separados. Uma das meninas chorou ao dizer que os pais brigam muito para decidir com quem ela passará o Natal.

O depoimento dos outros foi muito semelhante, com um mais contundente: "Odeio o Natal, porque desde sempre meus pais brigam para ficar comigo". Teve também o da garota que disse que os pais querem que ela decida com quem passar a data, e que ela decidiu ficar com uma avó. Certamente não era isso o que ela queria, mas foi a maneira que encontrou de resolver um conflito muito intenso para ela.

Olhando de fora, fica difícil entender como os pais podem colocar os filhos em situações desse tipo. Mas, no olho do furação que são os relacionamentos familiares, principalmente entre pais que não são mais casados, sabemos que muito do que eles fazem nem sequer é percebido por eles como perturbador para a criança ou o jovem.

Precisamos respeitar o fato de que crianças e jovens querem e precisam de sua família, quer eles demonstrem isso, quer não. Só na maturidade é que eles farão a escolha de continuar a pertencer e a frequentar seu grupo familiar, que eles não escolheram, ou romper e construir outro, por afinidade.
Antes disso, os pais –separados, casados, recasados, em todas as situações– podem olhar para o filho e, se for o caso, sacrificar-se pelo bem-estar dele, não é? 


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)

 

 
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