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UDEMO | 29/10/13 15:57 | Atualizado em 30/10/13 11:33


19°CONGRESSO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO

Hotel Minas Gerais - Poços de Caldas - 23 a 27 de outubro de 2013

Tema – “Gestão Democrática e Planos de Educação”

O Plano Nacional de Educação e a Educação Básica

Chico Poli

“Tudo deve mudar para que tudo fique como está”.*

*Na obra O Leopardo (Il Gattopardo), de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, que trata da decadência da aristocracia siciliana, essa é a única mudança permitida, sugerida pelo príncipe de Falconeri.

“O Plano Nacional de Educação representa uma carta de compromissos, sem poder de sanção ou cláusulas coercitivas. Por seu intermédio, busca-se definir as principais metas a serem perseguidas pelo poder público, numa década, no âmbito da educação”.

Até hoje, nenhum Plano Nacional de Educação (PNE) saiu do papel. Estamos no ano de 2013, discutindo o PNE do decênio 2011 – 2020; ou seja, com 3 anos de atraso. Depois de aprovado, ainda virão os Planos Estaduais e os Planos Municipais de Educação. O PNE anterior, 2001 – 2010, ainda não foi cumprido. Portanto, somos levados a concluir que, na prática, Planos Nacionais de Educação são feitos para, mudando, deixar tudo como está. Os textos são sempre inovadores mas a crise na educação é permanente.

É na década de 1930 que aparece a ideia de Plano Nacional de Educação, com o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Afrânio Peixoto, Lourenço Filho e outros). O Plano de Educação refletia o relacionamento de um sistema educacional organizado de forma racionalista com o conjunto de atividades educativas coerente e eficaz para uma determinada sociedade.

A Constituição Federal de 1934, no Artigo 150, alínea ‘a’, estabeleceu como competência da União “fixar o plano nacional de educação, compreensivo do ensino de todos os graus e ramos, comuns e especializados, coordenar e fiscalizar a sua execução, em todo o território do país”. Esta mesma Constituição também previu um Conselho Nacional de Educação, tendo como principal função “elaborar o Plano Nacional de Educação”. Esse PNE foi formulado pelos conselheiros, em 1937. Com o advento do Estado Novo (1937 a 1945), esse documento acabou por ser esquecido.

O primeiro plano decenal de educação, no Brasil, foi o Plano Decenal de Educação para Todos, de 1993. Em 1996, foi elaborado o Plano Nacional de Educação do Brasil. Ambos, pelo MEC. Em seguida, veio o Plano Nacional de Educação, 2001 a 2010. Agora, discute-se o próximo plano (2011 a 2020), que contém 20 metas e as estratégias para atingi-las. As metas são as seguintes:

1. Meta 1: universalizar, até 2016 (‘estamos encerrando 2013’), a educação infantil na pré-escola para as crianças de quatro a cinco anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% das crianças de até três anos até o final da vigência deste PNE.

2. Meta 2: universalizar o ensino fundamental de nove anos para toda a população de seis a 14 anos e garantir que pelo menos 95% dos alunos concluam essa etapa na idade recomendada, até o último ano de vigência deste PNE.

3. Meta 3: universalizar, até 2016 (‘estamos em fins de 2013’), o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos e elevar, até o final do período de vigência deste PNE, a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85%.

4. Meta 4: universalizar, para a população de quatro a 17 anos, o atendimento escolar aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação na rede regular de ensino.

5. Meta 5: alfabetizar todas as crianças, no máximo, até os oito anos de idade, durante os primeiros cinco anos de vigência do plano (‘já se passaram 3’); no máximo, até os sete anos de idade, do sexto ao nono ano de vigência do plano; e até o final dos seis anos de idade, a partir do décimo ano de vigência do plano.

6. Meta 6: oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% dos alunos da educação básica.

7. Meta 7: fomentar a qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem de modo a atingir .... médias nacionais para o Ideb (....)

8. Meta 8: elevar a escolaridade média da população de 18 a 29 anos, de modo a alcançar no mínimo 12 anos de estudo no último ano de vigência deste Plano, para as populações do campo, da região de menor escolaridade no País e dos 25% mais pobres, e igualar a escolaridade média entre negros e não negros declarados à Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE.)

9. Meta 9: elevar a taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais para 93,5% até 2015 (‘estamos em fins de 2013’) e, até o final da vigência deste PNE, erradicar o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional.

10. Meta 10: oferecer, no mínimo, 25% das matrículas de educação de jovens e adultos, na forma integrada à educação profissional, nos ensinos fundamental e médio.

11. Meta 11: triplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível médio, assegurando a qualidade da oferta e pelo menos 50% de gratuidade na expansão de vagas.

12. Meta 12: elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% e a taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos, assegurando a qualidade da oferta.

13. Meta 13: elevar a qualidade da educação superior e ampliar a proporção de mestres e doutores do corpo docente em efetivo exercício no conjunto do sistema de educação superior para 75%, sendo, do total, no mínimo, 35% de doutores.

14. Meta 14: elevar gradualmente o número de matrículas na pós-graduação stricto sensu, de modo a atingir a titulação anual de 60 mil mestres e 25 mil doutores.

15. Meta 15: garantir, em regime de colaboração entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, no prazo de um ano de vigência deste PNE (‘já se passaram 3’), política nacional de formação dos profissionais da educação de que tratam os incisos I, II e III do art. 61 da Lei nº 9.394/1996, assegurando-lhes a devida formação inicial, nos termos da legislação, e formação continuada em nível superior de graduação e pós-graduação, gratuita e na respectiva área de atuação.

16. Meta 16: formar, até o último ano de vigência deste PNE, 50% dos professores que atuam na educação básica em curso de pós-graduação stricto ou lato sensu em sua área de atuação, e garantir que os profissionais da educação básica tenham acesso à formação continuada, considerando as necessidades e contextos dos vários sistemas de ensino.

17. Meta 17: valorizar os profissionais do magistério das redes públicas de educação básica de forma a equiparar seu rendimento médio ao dos demais profissionais com escolaridade equivalente, até o final do sexto ano de vigência deste PNE (‘já se passaram 3’).

18. Meta 18: assegurar, no prazo de dois anos (‘já se passaram 3’), a existência de planos de carreira para os profissionais da educação básica e superior pública de todos os sistemas de ensino e, para o plano de carreira dos profissionais da educação básica pública, tomar como referência o piso salarial nacional profissional, definido em lei federal, nos termos do inciso VIII do art. 206 da Constituição Federal.

19.Meta 19: garantir, em leis específicas aprovadas no âmbito da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, a efetivação da gestão democrática na educação básica e superior pública, informada pela prevalência de decisões colegiadas nos órgãos dos sistemas de ensino e nas instituições de educação, e forma de acesso às funções de direção que conjuguem mérito e desempenho à participação das comunidades escolar e acadêmica, observada a autonomia federativa e das universidades.

20. Meta 20: ampliar o investimento público em educação de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) do País no quinto ano de vigência desta Lei (‘já se passaram 3’), e, no mínimo, o equivalente a 10% do PIB no final do decênio.

Nota-se que a Educação a Distância ficou fora das Metas do PNE. Hoje, no Brasil, quinze em cada cem universitários brasileiros frequentam aulas pela internet, algumas oferecidas pelas melhores universidades do mundo; muitas delas, de graça. Nos países desenvolvidos, esse percentual já é o triplo. A Educação a Distância, como complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais, é o futuro no presente. Segundo João Grandino Rodas, Reitor da USP, “ em futuro muito próximo, as fronteiras ainda existentes entre ensino presencial e a distância desaparecerão”.

Este novo Plano Nacional de Educação, embora mais realista e objetivo, incide nos mesmos erros que os anteriores. Sempre que se discute educação no Brasil, dada a amplitude das carências, elenca-se uma infinidade de reivindicações, o que torna inviável hierarquizarem-se prioridades e dedicar-se o devido tempo às formas de operacionalização. Ao contrário do que acontece hoje, deve-se escolher um pequeno número de questões fundamentais e dedicar toda atenção, tempo e recursos para garantir a sua implementação.

Nada vai mudar na educação se não forem resolvidos, em primeiro lugar, os problemas dos profissionais da educação: formação inicial, motivação e atualização (formação continuada). Por formação inicial entenda-se a licenciatura; por motivação, salários, carreira, condições de trabalho e reconhecimento social; por atualização, a formação continuada, em exercício, com prevalência da pós-graduação.

Tem-se que tornar o magistério uma profissão mais atrativa no Brasil, de modo que esta passe a ser levada em conta como uma alternativa plausível de opção profissional para os melhores alunos do ensino médio e da educação superior. Isso passa por salários, carreiras, condições de trabalho e a valorização social da profissão. Atendidas essas premissas, o sistema conseguirá atrair e reter bons profissionais em exercício. Não atendidas, nada irá mudar. Diversas pesquisas comprovam que a qualidade dos professores é um dos elementos mais importantes para elevar o nível educacional dos alunos. Nenhum sistema de educação é melhor do que os seus profissionais. Estudos mostram que o peso da origem social dos alunos é o mais forte determinante do desempenho acadêmico. Porém, “mesmo no caso de populações escolares em situação de risco, apesar do enorme peso que tal situação determina, um professor mais competente pode significar mais condições de aprendizagem para os alunos” (Galletta). Pedro Demo alerta para o fato de que “quem não sabe não pode ensinar; quem não estuda, não tem aula para dar.”

O Brasil forma mais professores do que o mercado exige. No entanto, faltam professores na rede, e em grande quantidade. Pesquisas realizadas em 2012 indicam que somente em ciências e matemática existe um déficit de 250 mil professores no Brasil, sem falar que a atual formação inicial se encontra distante da realidade da escola desejada e necessária para os alunos do século 21. Dados recentemente divulgados pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo mostram que só na rede estadual paulista faltam mais de 10 mil professores de matemática, sendo essa a disciplina com o maior déficit de educadores.

A formação inicial dos professores para a Educação Básica, no Brasil, é precária. “Os conteúdos específicos das disciplinas a serem ministradas em sala de aula não são objeto dos cursos de formação inicial do professor. Disciplinas relativas ao ofício docente representam apenas 0,6% desse conjunto.

Nas licenciaturas em Ciências Biológicas, por exemplo, a carga horária dedicada à formação específica na área é de 65,3%, e para formação para docência registra-se percentual em torno de apenas 10%.  O estudo das ementas das disciplinas revela, antes de tudo, maior preocupação com o oferecimento de teorias políticas, sociológicas e psicológicas para a contextualização dos desafios do trabalho nesse nível e nessas modalidades de ensino. Isto é importante para o trabalho consciente do professor, mas não suficiente para suas atividades de ensino. Daí a preocupação maior com o porquê ensinar do que com o quê e como ensinar” (Gatti).

Quanto às características dos alunos das licenciaturas, 75,4% são mulheres; nos cursos de pedagogia, 92,5%. Nos cursos de formação para o magistério, permeia a representação do ofício docente como prorrogação das atividades maternas. Curiosamente, as escolas normais, de início (na década de 1880), eram destinadas exclusivamente aos homens. Essas escolas passaram a ser acessíveis às mulheres no final do império, como solução para a falta de mão de obra para a escola primária, pouco procurada pelos homens, devido à reduzida remuneração.

“Questões ligadas a gênero são importantes quando se trata de escolhas profissionais, trabalho em tempo integral, carreira, horário flexível, acesso mais imediato, entre outros aspectos” (Gertel e De Santis, 2002).

Dentre os estudantes dos cursos de nível superior para a docência, 50,4% situam-se nas faixas de renda familiar média (de 3 a 10 salários mínimos). Na faixa de até 3 salários mínimos são 39,2%. Apenas 26,2% dos alunos não trabalham e são inteiramente custeados pela família. “Ou seja, trata-se de estudantes que, na maioria, são trabalhadores, o que incide também na procura por cursos noturnos e nos a distância.”(Gatti)

A escolaridade dos pais pode ser tomada como um indicador importante da bagagem cultural das famílias de que provêm os estudantes. Pais e mães dos estudantes de Pedagogia são sistematicamente menos escolarizados que os dos demais cursos.

Os estudantes dos cursos iniciais de licenciatura provêm, em sua maioria, da escola pública (68,4%), evidenciando grandes carências nos domínios de conhecimentos básicos. Quando indagados sobre os motivos que os levaram a optar pela licenciatura, 65,1% dos alunos de Pedagogia declaram a vontade de ser professor; em outras áreas da licenciatura, 21% escolhem a docência como uma espécie de “seguro – desemprego”. Cerca de 32,55% dos alunos de licenciatura têm a intenção de se dedicar à atividade acadêmica (trabalhar no ensino superior) e buscar um curso de pós-graduação. Em resumo, a meta desses alunos não é a educação básica.

Paradoxalmente, o setor público é o grande empregador na área, mas não o grande formador pré-serviço. Esta formação, na sua grande maioria, está nas mãos das faculdades particulares.

Em resumo, no que concerne à formação inicial de professores, uma verdadeira revolução nas estruturas institucionais formativas é requerida.

Com relação aos alunos, o Brasil ainda tem 3,6 milhões de crianças e jovens fora da escola. Nas regiões sul e sudeste (as mais ricas) o ensino fundamental atende a 85% da população em idade própria. A creche atende a cerca de 30% das crianças; a pré-escola, 40%; o ensino médio, 55%. O ensino médio continua sendo o grande gargalo da educação brasileira. Metade dos alunos que nele se matriculam não o concluem.  Segundo a Prova ABC, de 2012 - Avaliação Brasileira do Final do Ciclo de Alfabetização, exame que verifica a qualidade da alfabetização das crianças que concluíram o 3º ano (2ª série), somente 33% das crianças aprenderam os fundamentos da matemática, e 43%, os da leitura.

Ao final do Ensino Médio, quando os jovens estão prestes a entrar no mundo do trabalho ou na universidade, apenas 10% deles estão plenamente preparados em matemática; e 23%, em leitura e redação.

Com base nessa análise e nesses dados, ponderamos que, para ser exequível, um Plano Nacional de Educação deveria ter apenas 4 metas:

1. Meta 1: ampliar os gastos com educação pública, e usá-los de forma funcional, fazendo com que os recursos cheguem aos verdadeiros destinatários, que são as escolas. A má gestão e a corrupção têm forte impacto no rendimento escolar.

2. Meta 2: valorizar os profissionais da educação. A valorização implica salários altos, planos de carreira, condições de trabalho e reconhecimento social da profissão.

3. Meta 3: investir na formação inicial e, em seguida, na formação continuada dos professores.

4. Meta 4: expandir gradativamente a rede, de forma a atender a toda a demanda.

Enquanto essas quatro metas não fossem cumpridas, nenhuma outra deveria ser discutida ou implantada. “O problema de seguir a trilha mais ponderada é que os resultados demoram a aparecer e dificilmente podem ser capitalizados numa eleição” (Hélio Schwartsman). Além disso, na política, emoções falam mais alto que a lógica.

Estabelecer metas, objetivos, expressões de desejos e de carências é fácil. Menos fácil é criar condições para que os problemas sejam resolvidos. Difícil, mesmo, é querer resolver esses problemas. Não havendo a vontade política de resolvê-los, prevalece a máxima do “tudo mudar para que tudo fique como está”. E aí, quanto mais metas e estratégias, melhor, porque os Planos de Educação tornam-se tecnicamente insustentáveis, juridicamente inválidos, politicamente ineptos e materialmente impraticáveis.

Nota: todas as citações contidas neste trabalho foram retiradas do livro “Formação de Professores da Educação Básica”, compilação dos textos apresentados no I Seminário Paulista de Formação de Professores, em comemoração aos 50 anos do Conselho Estadual de Educação. O trabalho foi organizado e coordenado pela Profa. Guiomar Namo de Melo, e editado pela SESI – SP Editora, 2013.


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