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18°CONGRESSO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DA UDEMO

O Plano Nacional de Educação e a Gestão Democrática

Chico Poli

Art. 2º  São diretrizes do PNE – 2011/2020:

X – difusão dos princípios da equidade, do respeito à diversidade e a gestão democrática da educação.

Meta 19 - Garantir, mediante lei específica aprovada no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a nomeação comissionada de diretores de escola vinculada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à participação da comunidade escolar.

O PNE representa uma carta de compromissos, sem poder de sanção ou cláusulas coercitivas. Por seu intermédio, busca-se definir as principais metas a serem perseguidas pelo poder público, numa década, no âmbito da educação.

Gestão é gerência, administração. Compreende uma série de atos praticados pelos responsáveis por uma administração. Um simples ato, isolado e descontínuo, mesmo de um administrador, não pode ser tido como gestão.

Gestão democrática pode ser definida como uma gestão de autoridade compartilhada; é uma administração coletiva. Portanto, prevê descentralização, participação e transparência. Nem toda gestão compartilhada é democrática. Norberto Bobbio, nas suas reflexões sobre as formas de governo e os fundamentos da democracia (“Do Fascismo à Democracia”, 1997) descreve como democrático “o governo dinâmico que age em função do bem comum e não no seu exclusivo interesse. Move-se através de leis estabelecidas, que são claras para todos, e não por determinações arbitrárias”. Mas, ressalta Bobbio, “o centro da atenção da democracia repousa numa concepção individualista da sociedade. Portanto, não é democrática uma sociedade que se guia pela maioria, e em seu nome decide e age, desrespeitando e sacrificando direitos individuais fundamentais”. Se, por democracia entende-se o governo da maioria, pela maioria e para a maioria, então o estado nazista e o estado fascista teriam sido democracias. Da mesma forma, para Bobbio, “o ritual mecânico de sucessivas eleições, sem se preocupar com quem está sendo eleito, cria uma situação adversa à democracia”. Em resumo, Bobbio defende a eleição; mas ela, por si só, não garante a democracia.

É comum vincular-se a expressão “gestão democrática” a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Ou, ainda, a transparência, autonomia, liderança, representatividade e competência. Na verdade, esses são pressupostos de toda administração científica moderna, seja ela democrática ou não. Legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência são imposições constitucionais à gestão da coisa pública. Transparência, liderança, representatividade e competência são exigências da “res gerenciada”. Autonomia é condição para o exercício da atividade gestora.

A nossa Constituição Federal (com a redação dada pela EC 19/98), ao tratar do assunto, determina que “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência...”. (Art. 37).

Esses são os fundamentos e os limites de toda gestão pública, onde se encaixa a gestão dos sistemas de ensino. “Democracia” não é princípio de gestão pública, embora seja o Brasil um Estado Democrático de Direito. Hoje, a ênfase da administração pública, até por exigência dos cidadãos contribuintes, está mais na eficiência e na ética.

Ao tratar especificamente da educação, a Constituição estabelece que o ensino público deve ter uma gestão democrática, na forma da lei. (Art. 206, VI).

A gestão do ensino público (o privado foi excluído) deverá ser democrática, na forma da lei, mas atendendo sempre os princípios da administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. O dispositivo legal a que se refere o artigo 206, VI, viria oito anos mais tarde, na forma de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96). Essa lei, em consonância com a Constituição Federal, estabelece como princípio do ensino público a gestão democrática (Art.3º, VIII). E define os dois princípios dessa gestão democrática: “1) a participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola e, 2) a participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes “(Art.14).

Por ser o Brasil uma República Federativa, a LDB determina que os sistemas de ensino definam as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades, contemplando os dois princípios acima mencionados.

Coerente com esse dispositivo legal, a Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001, que aprovou o Plano Nacional de Educação, para o período de 2001 a 2010, destacou, entre os seus objetivos e prioridades, a “democratização da gestão do ensino público, nos estabelecimentos oficiais, obedecendo aos princípios da participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola e a participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes”.

Com relação a provimento de cargos públicos, a Constituição Federal prevê que “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”. (Art. 37,II)

Nessa mesma linha, o artigo 206, inciso V, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006, preceitua a “valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas”. Portanto, o concurso público de provas ou de provas e títulos é a regra; o comissionamento, a exceção. A eleição, ou a “escolha pela comunidade”, é prevista apenas para o provimento de cargos eletivos. E isso não é nenhuma novidade. A adoção do concurso público remonta ao império chinês; era o sistema de admissão dos mandarins, os altos funcionários do império. Foi adotado pela Inglaterra, em 1854, cujo serviço público, ainda hoje, é considerado livre de afilhadismos. Da Inglaterra, expandiu-se para todo o ocidente.

O Projeto de Lei nº 8.035/2010, que visa a aprovar o Plano Nacional de Educação para o decênio 2011-2020, traz uma curiosidade e uma contradição. Os artigos 2º e 9º repetem o conteúdo da lei anterior (Lei nº 10.172/2001) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96): a gestão democrática da educação e a necessidade de os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aprovarem leis específicas disciplinando o assunto em seus respectivos âmbitos de atuação. Porém, na Meta 19, o Plano determina que se deve “garantir, mediante lei específica aprovada no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a nomeação comissionada de diretores de escola vinculada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à participação da comunidade escolar”.

Esta parece ser a única “grande” novidade no PNE, no que diz respeito à gestão do sistema educacional: “a nomeação comissionada de diretores de escola vinculada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à participação da comunidade escolar”.

Dispensa-se a participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola e a participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes. Dispensam-se princípios contidos na LDB, lei que fundamenta o próprio Plano Nacional de Educação.

Parte-se da premissa de que a gestão democrática da educação será garantida através da escolha, pela comunidade escolar, dos diretores de escola. Desvinculada de uma percepção de democratização da sociedade. Dissociada da formulação das políticas educacionais. Excluída da definição das necessidades de investimento e do uso de recursos. Limitada aos estabelecimentos escolares.

O Estado de São Paulo conta com uma rede de aproximadamente 5.300 escolas de educação básica e três universidades públicas (USP, UNICAMP e UNESP). A Secretaria de Estado da Educação (SEE), além do gabinete, conta com a seguinte estrutura: 6 órgãos centrais e 2 órgãos vinculados. Os órgãos centrais são: DRHU (Departamento de Recursos Humanos), CEI (Coordenadoria de Ensino do Interior), CENP (Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas), COGSP (Coordenadoria de Ensino da Grande São Paulo), CRE Mário Covas(Centro de Referência em Educação) e o DSE (Departamento de Suprimento Escolar). Os órgãos vinculados são: FDE (Fundação para o Desenvolvimento da Educação) e CEESP (Conselho Estadual de Educação). A CEI e a COGSP coordenam, nas suas áreas de abrangência, o trabalho de 91 Diretorias Regionais de Ensino que, por sua vez, dirigem e orientam o trabalho das 5.300 unidades escolares de educação básica.

Em toda essa estrutura, ou seja, no gabinete da SEE, nos 6 órgãos centrais, nos 2 órgãos vinculados e nas 91 Diretorias Regionais de Ensino, não há (e não haverá) um único profissional ocupando um cargo no qual tenha sido investido através da “nomeação comissionada, vinculada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à participação da comunidade”.

O mesmo pode ser dito com relação aos cerca de 230.000 professores das 5.300 escolas da rede pública estadual: nenhum será nomeado em comissão, por mérito e desempenho, após escolha pela comunidade escolar. No entanto, para os autores do PNE, a gestão democrática do sistema educacional do Estado de São Paulo estaria garantida, com a eleição dos diretores das unidades escolares.

Ainda do ponto de vista legal, o Brasil é uma República Federativa. O sistema federativo pressupõe, ao menos em tese, a autonomia funcional dos entes políticos (União, Distrito Federal, Estados e Municípios). Por essa razão, o PNE não pode determinar as regras de administração dos sistemas educacionais de cada ente político. Cientes dessa limitação, os autores do PNE enfatizam que “os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão aprovar leis específicas disciplinando a gestão democrática da educação em seus respectivos âmbitos de atuação, no prazo de um ano...” (Art 9º).

Mas, na Meta 19, o PNE impõe a todos os entes políticos uma determinada forma de provimento de cargo. De um cargo, especificamente: o de diretor de escola. Há aí uma dupla ofensa à Constituição Federal: o desrespeito ao princípio federativo – em todos os entes políticos (Estados, Municípios e Distrito Federal) o cargo de diretor de escola deverá ser provido da mesma forma, por força de uma determinação do governo federal - e a contrariedade à natureza jurídica dos cargos em comissão – que são de livre nomeação e exoneração.

Uma lei, que aprova um Plano Nacional de Educação, não pode contrariar a Constituição Federal; não pode exigir que todos os entes políticos normatizem a questão de forma única; não pode determinar a natureza de um cargo público nem estabelecer a sua forma de provimento; não pode alterar a natureza jurídica do cargo em comissão.

Para estimular – na verdade, forçar – os entes políticos a adotar a nova forma de provimento do cargo de diretor de escola, a Meta 19.1 contém a seguinte estratégia:

“Priorizar o repasse de transferências voluntárias na área da educação para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que tenham aprovado lei específica prevendo a observância de critérios técnicos de mérito e desempenho e processos que garantam a participação da comunidade escolar preliminares à nomeação comissionada de diretores escolares”.

Estímulo? Priorização? Privilégio? Preferência? Chantagem? Qualquer que seja a denominação, trata-se de uma flagrante inconstitucionalidade.

O cargo em comissão, por expressa disposição constitucional, é de livre nomeação e exoneração. Por isso, não é possível, do ponto de vista legal, vinculá-lo a critérios técnicos de mérito e desempenho e a processos que garantam a participação da comunidade escolar.

A Meta 19.2. vai ainda mais longe, ao prever que os entes políticos deverão aplicar prova nacional específica, “a fim de subsidiar a definição de critérios objetivos para o provimento dos cargos de diretores escolares”.

Não existe, no nosso ordenamento jurídico, o “cargo em comissão condicionado”. Prova disso é que o inciso V, do Art. 37, da C.F. (texto original), foi revogado, porque previa que os cargos em comissão seriam exercidos, preferencialmente, por servidores ocupantes de cargo de carreira técnica ou profissional. Nem essa exigência subsistiu.

Com relação à eleição (“escolha pela comunidade”), o Supremo Tribunal Federal já pacificou a jurisprudência neste sentido: “é inconstitucional dispositivo que estabelece o sistema eletivo, mediante voto direto e secreto, para escolha dos dirigentes dos estabelecimentos de ensino. É que os cargos públicos ou são providos mediante concurso público, ou, tratando-se de cargo em comissão, mediante livre nomeação e exoneração do Chefe do Poder Executivo, se os cargos estão na órbita deste”. (ADIN 123-0/SC).

Imaginando-se que o PNE venha a ser aprovado, nos exatos termos em que está redigido, como seria a operacionalização da Meta 19?

Se um dos critérios para a nomeação do diretor de escola é a “observância de critérios técnicos de mérito e desempenho”, como seria feita a primeira investidura no cargo de diretor, quando então esses critérios não poderiam ser aferidos, uma vez que o candidato nunca teria sido, antes, diretor de escola? Seu mérito e seu desempenho seriam avaliados em outro cargo? A política seria: bom professor, bom diretor?

A Meta 19.2., como já vimos, prevê a aplicação de uma “prova nacional específica, a fim de subsidiar a definição de critérios objetivos para o provimento dos cargos de diretores escolares”.

Sendo uma prova nacional, depreende-se que ela seria aplicada, indistintamente, em todos os Estados e municípios do Brasil. Sem questionar-lhe o mérito, seria viável essa prova, levando-se em conta custos, elaboração, distribuição, aplicação, correção e periodicidade? Ressalte-se, ainda, que essa exigência – uma prova nacional, unificada – contraria a diretriz do próprio PNE, que é o respeito à diversidade (Art 2º, X), e um princípio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que é a descentralização.

Ficam, ainda, alguns pontos para reflexão: 1. O diretor eleito terá um compromisso maior com toda a comunidade escolar e local ou com o grupo que o elegeu? 2. Como o diretor eleito será obrigatoriamente nomeado pelo chefe do executivo, e este geralmente tem interesse naquele cargo, é lícito supor que haverá alguma tentativa de influência – na verdade, ingerência - no processo de escolha. 3. Caso essa sistemática – a escolha pela comunidade - não funcione a contento, é grande o risco de voltar-se à mera indicação política, onde prevalecem o fisiologismo e o clientelismo.

Conclusão

A gestão democrática dos sistemas educacionais deveria ir além das unidades escolares, prevendo novas relações de poder entre Estado, sistemas e agentes.

A gestão democrática das escolas requer a conquista da autonomia escolar, realidade da qual os estabelecimentos oficiais de educação básica ainda estão muito distantes.

A democratização da sociedade é que levará à gestão democrática das escolas, e não o contrário.
O concurso público de provas e de provas e títulos ainda é a forma mais lícita e eficiente de provimento de cargos públicos.

É a valorização do mérito, com base numa competição justa e aberta.


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A Palavra do Presidente

PNE: Resumo das Metas e Estratégias
Tese aprovada: O Plano Nacional de Educação e a Gestão Democrática
Moções aprovadas.
Endereços dos políticos para envio de nota de repúdio à Meta 19 do PNE.
  Deputados Federais Senadores
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